quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Conta: Tenente Lisa Ambrósio Parte I: As peças de um quebra-cabeça



 O Departamento de Homicídios estava movimentado, pensou Lisa. Aproximou-se de sua mesa, tirou a jaqueta e a pendurou em sua cadeira.

- Ah! Aí está você! – exclamou San, seu parceiro.
- Naturalmente! Afinal esta é a minha mesa! – disse Lisa pegando uma plaquinha com o seu nome: Tenente Lisa Ambrósio.
- É bom saber que está de bom humor logo pela manhã – falou San com um leve sorriso nos lábios.
- Nós temos um caso? – perguntou Lisa levantando as sobrancelhas.
- Bingo! – exclamou San.
- E... O que... Estamos esperando? – quis saber Lisa se colocando em pé.
- Na verdade só esperando você chegar para começarmos – ponderou o outro detetive ao mesmo tempo em que vestia um blazer castanho.

  Imediatamente a investigadora saltou da cadeira, pegou novamente sua jaqueta e foram direto para a cena do crime.

- A quanto tempo o corpo fora encontrado? – Lisa o interrogou no momento em que desciam o último lance de degraus.
San rapidamente dá uma olhada em seu relógio e a responde – A exatamente quarenta minutos a trás.
- Mais uma coisa! – parou no meio do estacionamento e fez outra pergunta – O corpo foi encontrado dentro ou fora da cidade? – fitou San nos olhos.
- Dentro! – deu de ombros – Por quê?
- Porque vamos no meu carro e você irá dirigindo – soltou um sorriso e conclui – Aliás você sempre dirige não é mesmo!

  San não retrucou, entraram no carro. Engatou a marcha ré dirigiram-se para o local do crime.

***
  
  Próximo a estação Semitam Rock havia uma grande movimentação. As viaturas da polícia preservavam a integridade da cena do crime em um perímetro de uma esquina a outra. Havia um carro da policia técnico científica. O carro do IML acabara de chegar, logo atrás vinha um utilitário preto, onde estavam os dois investigadores. San parou o carro atrás de uma viatura da polícia, ambos saíram ao mesmo tempo do carro.

- Você pode falar com a pessoa que encontrou o corpo? – perguntou Lisa ao passo que ia calçando luvas de couro opaco.
- Sim! Claro! – respondeu San que também usava uma luva e acabara de colocar uma toca do San Francisco 49, seu time favorito.

  Tarefas divididas separam-se. Lisa foi direto ao ponto, ou melhor, ao corpo. Ao aproximar cumprimentou os peritos e o legista que, aliás, aparentava ser bem jovem.

- Bom dia Lucas! – disse Lisa oferecendo a mão para cumprimentá-lo.
- Bom dia Lisa! – retribuiu Lucas, um dos peritos, fez o mesmo gesto da investigadora ao oferecer a mão.
- Onde está o Tonny? – perguntou Lisa.
- Esta olhando pela redondeza se encontra algum rastro! – terminou de falar e voltou os olhos para uma prancheta.
- E você...? – apontou para o jovem legista.
- Pode me chamar de Call! – pigarreou o rapaz um tanto nervoso – Aliás! Não diria que o nosso amigo aqui teve uma boa noite! – apontava para o corpo com uma capa de chuva preta e luvas – o nervosismo desaparecera.

   Lisa sabia que aquela fora uma piada típica de um legista, ou seja, não era feita para rir. Call estava agachado ao lado do corpo observando cada detalhe, para um novato estava se saindo bem.

- Posso adivinhar? – perguntou ao rapaz.
- Como? – parou o que estava fazendo e lançou um olhar a mulher – Não entendi, mas pode falar!
- Você não conseguiu determinar, ainda, o tempo estimado da morte! Estou certa? – falou Lisa.
- Sim! Mas como você chegou nessa conclusão? – quis saber Call.
- Muito simples! O frio! – ela se aproximou do legista e continuou – O frio da noite passada que é o mesmo de agora, se não até mais intenso, preservou o corpo – concluiu Lisa.
- Evidentemente! – concordou Call – No IML vou ter todas as respostas e algumas outras mais!

   Lisa deu a volta e agachou próximo a cabeça da vítima e ficou observando.  

- Os senhores se importam... Se eu fizer as minhas próprias anotações? – perguntou aos dois homens.
- Não! Fique a vontade tenente! – disse Lucas.
- Não vejo problema algum! – consentiu Call.

   A investigadora enfiou a mão no bolso da sua jaqueta e tirou um bloco médio de anotações e começou a fazer suas observações:

Homem caucasiano; aproximadamente 1,80 metros; na faixa dos 29 a 35 anos; apresenta um físico vigoroso, talvez praticasse algum tipo de esporte; aparentemente saudável.
É bem provável que a causa da morte possa estar ligada aos ferimentos, afinal, seu rosto está completamente desfigurado...

   Lisa fez uma pausa, ficou em pé novamente a observar o corpo de outro ângulo a fim de encontrar algo que não fizesse parte da cena do crime. Como na música: você precisa do ritmo, harmonia e compasso, quando um desses elementos sai da linha você percebe uma nota desafinada, era isso que ela procurava. Lisa continuou em sua anotação:

O corpo fora deixado (?) em um beco próximo a estação de metro Semitam Rock. É bem provável que o frio intenso preservara e possivelmente preservaria até ser encontrado...

   Novamente fez outra pausa e perguntou ao legista – Call! Poderia por gentileza tirar as luvas da vítima? – disse Lisa.
- Claro! – ele colocou sua prancheta no chão, ao tirar a luva da mão esquerda da vítima foi pego de surpresa – Ahh! Que merda! – exclamou.
- Confesso que não esperava por essa! – falou Lucas em pé do outro lado do corpo observando Call praguejar o morto.
- Vai lá se limpar novato! – disse San ao se aproximar.
     
   Call se levantou e foi até o carro do IML limpar seu rosto sujo de sangue. Lisa agachou e observava a mão do morto e voltou a escrever em seu bloco.

Além da face desfigurada a ponta dos dedos foram todas cortadas.

  Lisa guardou o bloco no bolso de sua jaqueta, averiguou a outra mão, ao tirar a luva o mesmo resultado: as pontas dos dedos cortadas.

- San dê uma olhada nisso! – chamou o seu parceiro.
- Lembra quando ti falei que trabalhei um período, quando mais novo, como auxiliar de legista? – observou San.
- Sim! Lembro-me! – confirmou Lisa – E... O que você acha?
- É um corte muito preciso! – concluiu San – Não me parece uma morte qualquer!
- E não foi! - Lisa falou olhando para San com um semblante fechado.
- Sim! Ele está certo! – era a voz de Call que se aproximava – Os cortes dos dedos são precisos e os da face expressa extrema agressividade, porém a precisão é como a de um artista...
- Você está querendo me dizer então... – interrompeu Lisa - ...Que a pessoa que fez isso tem muita paciência e tempo?
- Exatamente! – concluiu Call balançando a cabeça.

  San levantou-se, tirou as luvas sujas de sangue:

- Onde posso jogar isso? – agitava levemente as luvas no ar.
- Pode deixar que eu jogo fora – disse o novato segurando um saco de lixo preto.
- Mais alguma observação Call? – perguntou Lisa.
- Por enquanto é tudo que tenho! – disse Call, continuou – Terei mais detalhes no final da autópsia.

  Lucas parou de escrever em sua prancheta, olhou para trás e percebeu uma movimentação entre os policiais. Duas viaturas arrancaram com as sirenes ligadas. Um homem aproximava correndo, usava uma jaqueta azul com as iniciais  .P.T.C. em amarelo.

- Martin! – disse Lucas ao seu parceiro – Aconteceu alguma coisa?

Martin recuperava o fôlego e então falou:

- Sim! – disse ofegante, respirou fundo e continuou – Encontramos um carro, na verdade... – fez uma pausa, respirou fundo novamente, prosseguiu - ...na verdade um táxi  Vocês precisam ver isso! – olhou diretamente para os investigadores.
- Claro! – disse Lisa – Call, assim que terminar a autópsia você pode me ligar imediatamente?
- Será a primeira, a saber, que terminei! – afirmou Call.
- Obrigada! – agradeceu educadamente.

   Entraram San, Lisa e Martin no utilitário e foram até onde o táxi suspeito estava estacionado. As duas viaturas já guardavam um perímetro esperando os investigadores. Desceram todos os três ao mesmo tempo, Lisa, por sua vez, olhou em volta, era uma rua qualquer com os seus bueiros e prédios antigos criando assim uma atmosfera melancólica. A detetive caminhou lentamente em direção ao táxi  do seu lado esquerdo estava San com a arma em punho só por precaução, diante da porta do motorista ambos trocaram de lado. Lisa, ainda com suas luvas opacas, levou sua mão esquerda até a maçaneta da porta, apertou-a e foi abrindo lentamente, quase em câmera lenta. San agora levantara a arma na altura dos olhos com os braços entendidos, nem piscava. Mas não havia nenhuma surpresa.
     
   Lisa pegou sua lanterna presa ao seu cinto e começou a investigar o interior do carro. Enquanto isso San foi olhar se havia alguma coisa no porta-malas, quando o abriu foi tomado de surpresa.

- Lisa vem ver isso aqui! – disse San chamando-a.
- Isso está muito estranho! – afirmou ela.
- A palavra certa seria macabro! – observou San – Martin será que você pode chamar o Call até aqui? Ele vai gostar de saber que encontramos os olhos, possivelmente da nossa vítima.
- Sem problemas, eu ligo pra ele agora! – disse o perito.
- Encontrei isso debaixo do banco do motorista! – disse Lisa entregando uma carteira a San.
- Jefferson de Sousa – falou San segurando uma carteira de motorista – Tem uma grande quantia de dinheiro aqui! – ele a entregou a Martin que a colocou em um saco plástico para evidências.

   Lisa voltou para o interior do carro, olhou para cada canto, abriu o porta-luvas, olhou no console tudo parecia normal. Por fim olhou no quebra-sol, taxistas tinham mania de guardar algo ali pensou consigo mesma. Havia um bloco de planilha, era o controle que o taxista fazia de suas chamadas.
     
  A investigadora saiu do carro novamente, folheava as planilhas uma de cada vez até chegar na última folha, na última linha havia exatamente o endereço em que o táxi estava encostado: Rua Leopoldo número 2, na coluna onde se preenchia as horas estava escrito - “6:2” - e nada mais.
- Quero uma cópia da última planilha ok! – falou para Martin que por sua vez afirmou balançando a cabeça.

   As portas do carro estavam todas abertas, Martin tentava encontrar impressões digitais. Encontrar uma parcial não seria o problema, afinal de contas, trava-se de um táxi o problema real seria encontrar uma parcial do assassino, muito improvável pensou Lisa. Pegou o seu bloco e fez algumas observações a cerca do táxi:

Martin encontrou um táxi  provavelmente da vítima, a cerca de três quarteirões a leste do local onde o corpo fora encontrado. Aparentemente não há sinais de que o crime tenha sido cometido no interior do carro o que sugiro que o crime acontecera no local onde o corpo fora encontrado, mas este é só um palpite que tenho. A impressão que tenho é de que teremos muitas surpresas pela frente.

   Lisa fez uma pausa e dirigiu-se para trás do carro, agachou por um instante, observou os pneus então continuou em sua anotação:

Observei os pneus traseiros, não há rastro nenhum muito por canto da chuva da noite passada.

  Pulou uma linha e escreveu um subtítulo, como se fosse uma nota:

·         Autor do Crime:
    • Cortes precisos com extrema agressividade;
    • Possivelmente um passageiro;
    • É uma pessoa que sabe o que está fazendo do tipo que não deixa nada para trás;
    • Tem paciência e tempo...

- LISA! – gritou San interrompendo-a em sua anotação.
- O que foi? – quis saber Lisa, mas a sua pergunta nem precisou ser respondida.

   San ia fechando o capô do carro quando viu no interior escrito com sangue a seguinte inscrição:

O cavalo branco

    A expressão fechada do rosto de Lisa sumiu imediatamente ao ver a inscrição. Olhou para San, que retribuiu o mesmo olhar. A mente de Lisa jorrava um fluxo de pensamento intenso a todo vapor, mas após ler aquilo tudo cessou o que isso significa? Perguntou para si mesma. A partir dali o esforço para desvendar o significado daquelas palavras dobrou.

Lisa se envolvia tanto com seu trabalho que nem percebia o tempo passar, quando se deu conta percebera uma aglomeração de curiosos em volta do perímetro, sem falar na insistência dos repórteres em conseguir um furo de reportagem. Essa era a parte do seu trabalho que mais lhe estressava: a mídia especulativa. O que nos últimos anos virou um modelo novo de jornalismo, mais vendável por assim dizer.

Retomou sua atenção para o carro, para as letras em sangue, o corpo e tentou imaginar a pessoa quem havia feito aquilo tudo. Retirou do bolso seu bloco e fez uma última observação:

No interior do capô do táxi  San encontrou uma inscrição com sangue, é provável que seja o da vítima. “O cavalo branco” – Preciso descobrir o que isso quer dizer.

  Ela subiu na calçada e continuou com seu bloco:

Este não é um caso típico de homicídio. A pessoa quem fez isso teve tempo de sobra, ela está querendo nos dizer alguma coisa, uma mensagem talvez. Ou só está matando por puro prazer que é o mais provável.

  Guardou o bloco e abriu a porta do passageiro como se acabara de ter uma revelação. San não entendia o que ela queria encontrar dentro do carro que já tinha olhado. Por outro lado, Lisa tirava tudo que havia dentro do porta-luvas, papeis e mais papeis até que enfim comprovou sua tese. No mesmo instante o celular de San toca, ele atende a chamada ali mesmo, faz uma breve anotação. Lisa, pois, sai do táxi com um papel em mãos, o qual estava encardido. Nele, havia uma seqüência de números aparentemente aleatória, havia três intervalos nos quais em cada um havia uma cruz e na parte inferior do lado direito mais uma seqüência de números. Lisa observava os números, uma mensagem pensou consigo mesma.

- O que é isso? – perguntou San.
- Uma mensagem talvez! – respondeu ela mostrando ao seu parceiro o papel sujo, afinal, San estava sem luvas.
- Acabei de receber uma ligação! – disse o investigador.
- Quais são as notícias? – quis saber Lisa.
- Então! – começou a falar – Eu pedi a central que averiguasse aquela carteira de motorista que você encontrou no carro – ele coçou a têmpora com sua caneta, continuou – O Sr. Jefferson de fato é o motorista do táxi  trabalhou ontem a noite. Vinte minutos antes de terminar seu turno foi atender a uma chamada... – fez uma pequena pausa e continuou – ...e por fim, não menos importante... Ele não foi embora para casa.
- Foi o que imaginei! – falou a investigadora – Quero que você peque o registro de chamadas com a central – apontou para o táxi.

   San fez uma anotação em seu bloco como um lembrete. Lisa, no entanto, continuava segurando o papel, mas logo o entregou a Martin. A movimentação em volta do perímetro ia ficando cada vez mais intensa, eram câmeras filmando, fotógrafos, pessoas e um mar de repórteres cada um querendo chamar mais atenção do que o concorrente do lado. Lisa não perdeu muito tempo em tal observação, tirou o bloco do bolso e fez uma breve anotação:

Não faz sentido...

  Mal começou a anotar e parou por um instante para pensar, para organizar as idéias e todas as informações que havia ali na cena do crime.

...que tipo de pessoa comete um crime com tamanha agressividade e deixa uma mensagem? O tipo de pessoa que não é normal para os padrões convencionais. Um maníaco psicótico, talvez! E pelo que percebo a minha volta isso faz muito sentido, mas é preciso chegar a fundo disso tudo. No porta-luvas do carro encontrei o que pode ser uma mensagem. Agora me vem a mente novamente a inscrição em sangue no interior do capô – O cavalo branco – O que será que isso significa?

   Lisa olhou no relógio, marcavam dez horas. Aproximou-se de Martin:

- As fotos ficam prontas ainda hoje? – perguntou.
- Olha Tenente... – fez uma pausa para calcular um prazo certo - ...creio que até o final do dia estejam em sua mesa – concluiu.
- Eu agradeço e muito, até lá! – disse Lisa agora caminhando até San – Você vem comigo ou irá ficar por aqui?
- Eu quero ficar até tudo estiver limpo por aqui! – disse ele – Qualquer novidade ti ligo!
- Ok! – fez um sinal com a cabeça e caminhou em direção ao utilitário.


   Lisa saiu com o carro rumo ao escritório, no caminho só pensava no caso que cada minuto tornava-se um quebra cabeça cada vez mais difícil em só amontoar as peças, imaginou montá-lo. Parou no sinal vermelho, observava o fluxo contínuo de carros para lá e para cá, não havia fim. O sinal abriu, soltou a embreagem e arrancou, olhou no retrovisor, livre pensou. Virou a direita.

Nenhum comentário:

..