quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Conto: Tenente Lisa Ambrósio Parte II: Ainda não Acabou (suspense policial)



  A chave virou no trinco e destrancou a porta. Lisa entrou em seu apartamento, no ombro esquerdo trazia sua bolsa, a tira colo segurava alguns papéis e antes que pudesse colocá-los em uma mesa de centro, virou-se rapidamente por um instante, ascendeu a luz. Em seguida fechou a porta e a trancou. Na mão direita segurava uma sacola de plástico, daqueles com um material ecologicamente correto, consciência verde! Exclamou em voz alta em tom irônico.
    
  Pousou a sacola em uma mesa de jantar, aquela seria o seu jantar, afinal, estava faminta. Ficou no Departamento de Homicídios até as nove horas da noite, esperando o desenrolar dos peritos. A desculpa era sempre a mesma: a demanda era demasiada. Mas agora, enfim, tinha em mãos os relatórios dos peritos, as fotos, inclusive uma cópia do código que a deixara intrigada.
     Tirou a jaqueta, a toca e as luvas. Caminhou para o quarto a fim de tomar um banho quente e começar a trabalhar no caso.

***

  Lisa estava sem sono, permanecia sentada sob a luz de uma luminária. Em cima da mesa, no escritório pessoal estavam as fotos do homem que fora identificado: trava-se de Jefferson de Sousa mais conhecido como Jeff, o taxista e agora a vítima de um crime. Outra coisa que chamou atenção de Lisa foi à planilha com o último endereço o mesmo em que o táxi fora encontrado, no espaço reservado para o horário não fazia sentido. Lisa começou a procurar por um relatório, na verdade o depoimento da atendente da central do táxi. Achei disse para si mesma. Pegou a folha e começou a ler:

- Marta Alves fez contato por rádio com o Sr. Jefferson aproximadamente às 23h41min – Lisa fez uma pausa, olhava agora para um mapa com a distancia entre o ponto em que Jeff estava e para onde deveria ir – A senhora Alves desde então não fez mais nenhum contato com Jeff e vice-versa – concluiu Lisa.

  Colocou a folha com o depoimento em cima da mesa, pegou o seu bloco e fez um esquema com as evidencias que até então permaneciam em mistério.

  • Evidencias:
    • Horário incompatível: “6:2”;
    • Inscrição com sangue no interior do capô: “O cavalo branco”;
    • Uma folha com números e três cruzes: “Código”.

Ficou observando atentamente a própria anotação. Recostou-se na cadeira, cruzou os braços com o semblante fechado, pensativo. Observou os livros que estavam acima em uma prateleira, seus olhos passaram pelos livros um de cada vez até que um deles a fez saltar imediatamente da cadeira. Tratava-se de um dicionário de símbolos do escritor G. Heinz-Mohr. Sentou-se novamente, folheou o livro até chegar na letra “C”. Encontrei! Falou para si mesma, então começou a ler em voz alta:

- “Cavalo: Apresenta vasta simbologia em diversas culturas. Simbologia ambivalente com registros desde as cavernas do paleolítico... – fez uma pausa – Isso não está ajudando muito! – disse Lisa como se estivesse falando para alguém ali ao seu lado.

   Leu o restante do parágrafo com os olhos e num instante seguinte sua expressão era de espanto:

- “Na simbologia cristã – retomou a leitura em voz alta – aparece como o cavalo branco do ‘Cristo triunfante’ e como montaria do cavaleiro apocalíptico. Símbolo da juventude, da força, da sexualidade e da virilidade”.

  Ao terminar de ler ficou observando uma gravura que havia na mesma página. Logo abaixo da ilustração constava uma legenda onde Lisa leu: “Os quatros cavaleiros do Apocalipse” (1498) do pintor alemão Albrecht Dürer (1471-1528). Olhava para a gravura que sob a luz da luminária parecia tão mais profética e fantasmagórica do que Dürer desejara. Lisa sentia uma pontinha de excitação misturada com satisfação em ter descoberto uma parte do quebra-cabeça, aliás, uma pequena parte. No entanto, lembrou-se de que não tinha uma Bíblia em casa, nem mesmo um singelo Novo Testamento e logo veio a frustração.
     
   Olhou no relógio, precisava ser mais rápida que ele: o tempo. Correu para a sala, pegou o telefone e discou alguns números, meia hora depois estava no interior da Biblioteca Pública. Isso sim é uma Biblioteca! Pensou.

- Fique a vontade Tenente! – falou o policial que fazia a guarda.
- Obrigada Gill! – disse Lisa gentilmente.

  Colocou a pasta sobre a mesa, tirou a jaqueta, respirou fundo e iniciou sua missão. Seu objetivo era encontrar a versão da Bíblia que o assassino utilizara. Tirando as versões em hebraico, latim e grego o número de versões traduzidas eram demasiado grande, mesmo assim Lisa não esmoreceu, conferiu versão por versão e nada, nenhuma batia com a inscrição em sangue. Lisa fez mais uma tentativa, percebeu que faltava um exemplar, saiu correndo e gritou:

- GILL? – chamou pelo policial.

   O policial, no entanto, não respondeu. Lisa ouvia somente os próprios passos. Com um movimento automático, Lisa saca sua arma, caminha lentamente até a mesa onde o policial deveria estar. De repente ouve uma porta sendo aberta atrás de si, vira rapidamente com a arma levantada.

- TENENTE! – assusta-se o policial.
- Pensei que estava morto! – disse Lisa guardando a arma em seu coldre.
- Só fui ao banheiro! – falou Gill recuperando-se do susto – O que aconteceu Tenente? – perguntou em tom de nervosismo.
- Bom... Estou procurando por uma Bíblia que não está na prateleira – disse ela – Sabe me dizer se alguém a pegou?
- Na verdade não! – falou o policial recomposto – Ela não sai daqui, é algo raro! Venha, vou pegar pra você.

   Caminharam até uma prateleira de vidro e lá estava o que Lisa tanto procurava. A investigadora não tinha dúvidas de que era aquela versão que o assassino havia usado, deduziu ao ver a cruz dourada na capa preta, semelhante as que aparecem no código.

- Aqui, é toda sua! – disse o policial entregando o livro.
- Mais uma vez muito obrigada Gill... – fez uma pausa e continuou - ...me desculpe se ti assustei!
- Não esquenta, já passou! – retribuiu ele com um sorriso tímido.

   Lisa sentou-se à mesa, abriu sua pasta e retirou de dentro dela seu bloco, observou sua última anotação:

  • Evidencias:
    • Horário incompatível: “6:2”;

Após ter decifrado a primeira pista do cavalo branco, lembrou-se do horário incompatível na última planilha do taxista, não demorou muito para ligar os fatos. Como San costuma dizer: Bingo! Pensou consigo rindo sozinha. Abriu no livro do Apocalipse, capítulo seis, versículo dois e leu:

- “E olhei: e vi um cavalo branco, e o que estava montado sobre ele tinha um arco, e lhe foi dada uma coroa, e saiu vitorioso para vencer”.

  Leu mais uma, duas, três... Quantas vezes mais seriam necessárias para decifrar o código? Indagou a si mesma com certa raiva. A referência a fez lembrar-se da gravura do pintor alemão, pegou o livro dos símbolos e ficou olhando-a a fim, quem sabe, exprimir alguma idéia do que o assassino queria dizer. Talvez haja alguma pista pensou. Mas nada vinha em sua mente somente o versículo ressoando em seu pensamento... Quando de um sobressalto pegou a Bíblia e leu novamente na seguinte parte:

- “...e o que estava montado sobre ele tinha um arco” – pegou as fotos do corpo – Tem que ser isso! – falou em voz alta.

  Procurava por algo, um detalhe que... De repente depara-se com uma das fotos do táxi  mas não é o veículo que chama sua atenção. Pega outra foto e então confirma o seu assombro. Ela pega o celular, disca o número do seu parceiro que não o atende. Resolve, então, deixar uma mensagem na secretária eletrônica a fim de encontrá-la em tal lugar.
     
   Lisa não tinha certeza, ainda, mas parecia ter resolvido o caso ou só piorado o nível de mistério, havia reticências em seus pensamentos. Mas, não podia perder mais tempo, tinha que agir, fazer alguma coisa imediatamente. Saiu correndo da biblioteca, entrou no utilitário e foi para o local onde o táxi fora encontrado. Gill ao vê-la sair daquele jeito, abruptamente, ficou satisfeito; no fundo sabia que, em parte, ajudara a tenente no caso.

***

   A noite estava fria, muito fria, aliás. Lisa fechou a porta do carro sem fazer barulho, a sua frente ainda podia visualizar o táxi ali parado com as portas abertas. Seguiu adiante, do outro lado da rua havia um hotel de quinta, pra ser mais específico. As letras em neon não deixavam dúvidas – Hotel Apolo – Olhou para os lados, não havia movimento, a rua parecia um deserto. Entrou no estabelecimento, na recepção, um velho com barba branca e longa, de óculos e um cachimbo pra completar a descrição, estava sentado prestando atenção na TV em um daqueles suportes de parede.
     
  Lisa por um instante observou o local: decrépito, julgou. Tinha dúvidas se identificava imediatamente como policial ou alguém que precisava de um local para passar a noite. Mas era tarde demais, afinal de contas, seu distintivo estava a mostra bem na cintura. Deixou para se martirizar no final, quando tudo chegasse ao fim, se é que fosse ter um fim.

- Procurando por alguém? – disse o velho com a voz rouca.

   Distraída Lisa esquecera-se do velho de bela aparência a sua direita.

- Sim! – a única coisa que veio a sua mente.
- Precisa se esforçar melhor! – falou o velho em tom irônico – Algum nome?
- Na verdade... – caminhou até aproximar-se do balcão - ...na verdade gostaria de fazer algumas perguntas. Posso?
- Se for alguma coisa com drogas, tá perdendo seu tempo moça! – falou asperamente – Não mecho com essas paradas a muito tempo! – defendeu-se o velho.
- Não... Não estou aqui por isso! – tentou acalmá-lo – Mas sim pelo táxi que foi encontrado aqui em frente! O senhor sabe de alguma coisa? – perguntou lisa com certa tensão na voz.
- Humm! – murmurou o velho dando uma tragada no cachimbo – Não sei de nada, senhora! – parecia uma chaminé com toda aquela fumaça saindo pela boca e narinas.
- Alguém estranho se hospedou por aqui? – inquiriu mais uma vez a investigadora.

  O velho fechou o semblante como se estivesse relembrando de algo estranho como sugeriu a mulher. Lisa, no entanto, já ia saindo quando o velho resolveu abrir a boca.

- Tinha um homem! – falou com certo temor.
- Continue! – disse Lisa.
- Duas semanas atrás veio até aqui... – fez uma pausa e continuou - ...pediu para alugar um quarto e todos os dias deixava um envelope com a diária. Aí ele subia até o quarto para pegar alguma coisa... E de fato descia com uma bolsa. Mas hoje, engraçado... Não veio! – concluiu o velho olhando para Lisa.
- Por acaso é o quarto seis? – perguntou ela.
- Sim... Como você sabe? – gaguejou o velho.
- É a única chave que tem pendurada a trás do senhor! – concluiu Lisa – Preciso que abra para mim!
- Mas eu... – ia falando o velho.
- Mas nada! – interrompeu-o Lisa – Esse homem pode ser um assassino preste a cometer outro crime.

  O velho mudou completamente de expressão, pegou a chave e subiu as escadas acompanhado pela investigadora Lisa Ambrósio. Ambos atravessaram um corredor escuro, sombrio. Ao chegarem em frente a porta com o número seis, o senhor enfiou a chave no trinco, girou-a. Lisa, pois, com a arma em punho falou para o velho se afastar. Pousou a mão sobre a maçaneta, virou-a. Afastou-se da porta com três passos e soltou um chute na porta e entrou no quarto escuro. Lentamente com a arma na altura dos olhos mirando foi observando o cômodo. Não havia ninguém.
     
  Inverteu o interruptor da luz a fim de iluminar o ambiente, a sala estava limpa, tudo organizado. Mas quando abriu a porta do quarto foi tomada de susto... Ascendeu a luz e pode ver a mente de um psicopata materializada por todas as quatro paredes. Fotos de corpos, manchetes de jornais, um mapa da cidade, uma foto do Hotel Apolo. Na parede junto da porta havia um crucifixo e o capítulo seis de Apocalipse. De repente o silencio é rompido pelo toque do celular de Lisa.
     Minutos depois San e o reforço chegam até o hotel que Lisa descobriu ser o quartel general do assassino ou, melhor, o seu quartinho dos horrores onde expunha todos os seus troféus.

- O velho foi levado para dar depoimento! – falou San observando manchetes de jornais de outros homicídios.

  Lisa, no entanto não fez nenhuma observação. Estava olhando algumas fotos, possíveis locais que o assassino escolheria para cometer seus crimes. Seu raciocínio logo se voltou para a referência bíblica, novamente tinha que admitir que nada daquilo fazia sentido.

- Por que ele cometeria um crime em frente ao hotel em que se hospedou? – virou-se para San.
- Boa pergunta! – falou – Estava pensando nisso agora e cheguei a seguinte conclusão!
- E qual foi? – quis saber Lisa.
- Ele estava nos observando o tempo todo daqui! – caminhou até Lisa a entregou uma foto da manhã em que o táxi fora encontrado – Ele queria ver como nos sairíamos.
- Você tem razão! – afirmou Lisa – E se... – interrompeu a si mesma com a expressão de desespero.
- O que, descobriu alguma coisa que não vimos? – San a perguntou nervoso.
- Ele estava nos observando o tempo todo para ver se nós seguíssemos suas pistas! – concluiu.
- Você quer dizer que ele nos atraiu até aqui porque ele queria isso? – perguntou San atordoado.
- Sim, exatamente! – Lisa virou-se e antes que dissesse mais alguma coisa um policial os chamou.

  Desceram as escadas apressadamente, chegaram na recepção e outro policial indicou o caminho. Percorreram um corredor e chegaram aos fundos do hotel e puderam ver um corpo. Cumprimentaram Call, o legista novato.

- Senhoras e senhoras! – fez uma daquelas piadas Call.
- Que merda! – exclamou San.
- O mesmo corte; rosto desfigurado... – fez uma pausa, continuou - ...mas eu tenho uma novidade!
- Sem mistérios ok, Call! – disse Lisa.
- Estas roupas são do nosso taxista! E este aí é o dono do hotel! Ele se veste com as roupas de suas vítimas. Não é estranho? – afirmou e perguntou ao mesmo tempo Call, mas nenhum dos investigadores lhe deu atenção.


   San e Lisa entreolharam-se. Ambos sabiam o que o outro estava pensando. A investigadora lançou um olhar para o legista, estava agachado ao lado do corpo, fazia algumas anotações e Lisa pôde perceber algo estranho, mas guardou aquilo pra si mesma.

Nenhum comentário:

..