terça-feira, 17 de junho de 2014

Drink II



   Sentado à mesa, sozinho, aguardava a boa vontade do garçom em lhe atender. Mas talvez estivesse invisível e não percebera, talvez estivesse morto e não havia sentido...

- Já foi atendido, senhor? – interrompeu o garçom segurando um bloco.

    Com um sorriso disfarçado conclui que de fato não estava invisível e muito menos morto. Recompôs-se rapidamente e então falou:

- Quero um drink!
- Certo! – o tom da voz do garçom saiu interjecional – Bom! Recomendaria os drinks especiais da casa, senhor!
- E quais seriam...? – quis saber o cliente.
- Oh, me desculpe...

Correu até o balcão a fim de pegar o menu de bebidas. O homem, pois, percorreu a lista variada com seus olhos baixos de alguém bastante cansado. Os nomes iam desde “alegria”, “felicidade”, “prazer”, “amor”, “saudade”, “confiança”, “desejo”, “inteligência”, “êxtase”, “esperança”, “amnésia”, etc. No entanto nenhum lhe agradara.

Mas ao fechar o cardápio um nome em letras bem pequenas, quase uma nota de roda pé, lhe chama a atenção. Era justamente àquilo que precisava depois de um dia chato de trabalho. Antes de fazer o pedido desarrochou a gravata preta que o estrangulava e desatou o último botão da camisa.


- Me vê uma dose-dupla de Melancolia, sim!

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Um Choro de morte




“Choramos ao nascer porque chegamos a
 este imenso cenário de dementes.”
William Shakespeare

    Na sala de espera do hospital aguardava angustiado devido a demora por notícias. O relógio na parede parecia estender o tempo à eternidade. Uma sensação de incomodo lhe afligia o espírito pelo simples fato de ter que esperar, mas o fazia cheio de uma ansiedade que descia na forma de um suor frio. O coração, já sem espaço, poderia romper o peito a qualquer momento.

    De repente ouve o ácido rangido da porta. Uma jovem enfermeira entra na sala. A roupa indicava que acabara de sair do centro cirúrgico.

- Senhor Victor? – a voz saiu abafada devido a máscara descartável que ainda usava.
- Sim! – apenas levantou a cabeça com o semblante severamente serrado – Aconteceu alguma coisa? – o nervosismo transpareceu em sua voz.
- Não, senhor! – quis acalma-lo – Seu filho nasceu bem saudável! E já pode vê-lo!

    A enfermeira fez um gesto com a mão para que levantasse. Caminhava na frente, claro, indicando o caminho pelos corredores que mais pareciam um labirinto. A expressão no rosto de Victor era, agora, uma mistura de preocupação com nervosismo. Seus passos eram lentos...

    A caminhada durou pouco, até se aproximar de um vidro, do outro lado, o berçário. Obviamente não soube identificar qual bebe era seu filho. Mas havia outra enfermeira cuja função era cuidar dos recém-nascidos. Moveu-se até um canto e pegou com todo cuidado um pequenino pacote azul e o levou até próximo de onde Victor observava com uma expressão facial indefinida.

    Quando a enfermeira parou, o pai , finalmente pôde ver seu único e primeiro filho. Chorava muito, lembraria Victor mais tarde ao relatar o evento. Perguntava a si mesmo se era normal um recém-nascido chorar tão intensamente daquela forma.

    Rapidamente seus pensamentos agitados vagavam em busca de uma resposta para aquele choro que o deixara bastante intrigado. De súbito o bebe, misteriosamente, abre seus pequenos olhos fitando de volta os grandes olhos de Victor, deixando-o extremamente alarmado.


    Naquele momento, pois, Victor percebe inundado pelo susto, que o choro do próprio filho, ao contrário do que se pensava ser a representação da vida. Era, na verdade, o prenuncio de todo sofrimento que este enfrentaria até a morte.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

A Incerteza Moribunda por Múcyo Alexandre





“Tudo é incerto e derradeiro
Tudo é disperso, nada é inteiro.”
Fernando Pessoa

           Era uma manhã cinza de domingo. Uma manhã fria e chuvosa de domingo. Avançou subindo três degraus do alpendre, apertou a campainha e enquanto esperava ser atendido encostou o guarda-chuva ali mesmo perto da porta. Instantes depois uma jovem mulher foi quem lhe abriu a porta. A face abatida revelava profundas olheiras e um olhar triste, observou-a o homem parado à entrada.

- Obrigada por me atender hoje! – disse a mulher languidamente como se já o conhecesse.
- Filha! – assim que falou foi conduzido até uma porta envernizada – Não se preocupe! Fez muito bem me chamar, afinal esse é o meu trabalho! – a voz era calma e afável.

    Ele sabia o que devia ser feito. A mulher, no entanto, disse ao homem de preto que preferia não entrar a fim de deixa-lo sozinho para fazer seu trabalho a vontade. Girou a maçaneta abrindo lentamente a porta, não queria fazer barulho.

    Finalmente no interior do quarto, uma turva luz atravessava as cortinas fechadas. Viu o enfermo deitado em seu leito quase de morte, intubado, respirava com a ajuda de aparelhos. O fio de prata que lhe sustentava a vida esvaia-se a cada segundo. Por fim, sentou-se em uma cadeira posta próxima a cabeceira da cama.

    Enfiou a mão no bolso do paletó e retirou um livro. Abriu-o na página marcada com uma fita vermelha, colocou seus óculos e deu início ao rito. Leu em voz alta um pequeno trecho do livro, depois, com os olhos fechados e a mão estendida sobre o corpo do velho, pronunciou algumas palavras, pedia que os pecados do velho moribundo fossem absolvidos e que ficasse em plena paz.

    Terminado o trabalho levantou-se da cadeira, cumprira sua missão, guardou o livro novamente no bolso do paletó. Observou pela ultima vez o velho sobre a cama. Caminhou até a porta e antes que sua mão pudesse girar a maçaneta....

- Clérigo? - ouviu uma voz sussurrada e abafada lhe chamar.

    Caminhou novamente para perto da cama e ajudou o velho a retirar a máscara que lhe ajudava a respirar; quando o fez pôde ouvir as breves palavras do idoso.

- Onde ele está?

    Foi ali, naquele momento que o homem de preto ou o Clérigo, como era chamado. Percebeu que sua vida e aquilo que dizia acreditar tornaram-se tão mais comuns do que simplesmente escovar os dentes todas as manhãs. Sentiu a dúvida abrir um profundo e escuro abismo em seu íntimo.


    Olhou para o velho sobre a cama... Morrera, certo da única certeza irônica desta vida... A própria incerteza.

sábado, 7 de setembro de 2013

Conto - Não se trata de filmes! Por Múcyo Alexandre




”Estávamos sentados à mesa de um agradável bar; ao fundo tocava um solo de blues. Lá fora uma fina chuva caia e cada vez mais o frio se abatia. Na maior parte do tempo conversamos outrora você dava boas gargalhadas com as minhas piadas. A todo o momento te observava atentamente, até mesmo quando eu levava o copo a boca, não tirava meus olhos de você, muito porque não queria.Em certos momentos seus olhos encontravam-se com os meus. Você estava linda naquele dia, sua alegria exalava, era evidente isso. Em dado momento você começou a me contar uma história... Quando lhe interrompi com um beijo, não um beijo qualquer; no momento em que os nossos lábios tocavam-se, todo o seu fôlego fora sugado; mordi o seu lábio inferior e por fim ouvi você suspirar. Os olhares encontraram-se novamente, no entanto fora diferente de antes, era como se eu e você olhássemos lá dentro, entende! Lá onde se guarda a alma; de repente você desata a rir e eu lhe acompanho...”

- Então... O que você achou da cena? – perguntou Victor apreensivo.
- Nossa! – exclamou Sophie, para alegria de Victor – Adorei! Parece uma cena de filme! – disse ela.

    Victor sorriu aliviado, levou a caneca à boca, assoprou e deu um gole no cappuccino que pedira. Sentado a sua frente, Sophie misturava o chantili com uma colherzinha.

- Bom...- iniciou ele – Foi uma ideia que tive agora! – pousou a caneca sobre a mesa e concluiu – Fico feliz que tenha gostado.
   
Sophie sorriu gentilmente!

    Os dois terminaram de beber o cappuccino, conversaram um pouco mais e logo se levantaram da mesa; Victor, pois, enfiou a mão no bolso, retirou uma nota de dez reais e a colocou sobre a mesa. Ambos vestiram seus casacos, afinal de contas, uma fina chuva caia lá fora. Sophie arrastou a cadeira, deu aquela típica olhada em volta para ver quem estava ali dentro e foi quando viu, para sua grande surpresa, um casal ao fundo, ambos conversavam olhando nos olhos, atentos a cada palavra que um e o outro falava e por fim soltavam boas gargalhadas. A mulher falava algo ao parceiro quando a interrompia com um beijo.

- Não se trata de filmes! Isso ainda existe! – disse Victor referindo-se ao casal e a interação que tinham.


    Sophie virou-se para ele, fitou-o nos olhos, não aguentou... Soltou uma risada. Victor, no entanto, lhe correspondeu com um sorriso no canto da boca. Deram as mãos e saíram.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Dramatização: As Crônicas de Nárnia por C. S. Lewis



Ola pessoal! Demorou, mas aqui estamos com mais uma dramatização! Dessa vez gravei um capítulo muito especial do primeiro livro de As Crônicas de Nárnia - O sobrinho do Mago.

Não é atoa que é o primeiro livro da saga, afinal explica muitas coisas e uma delas como fora construída Nárnia. A origem da feiticeira branca, bem como também como os humanos tiveram o primeiro contato com a terra encantada do leão Aslan.

C. S. Lewis escreve para crianças, mas seu livro de tão simples torna-se tão profundo e depois que você lê fica fã incondicional desse irlandês.

Bom... falando em irlandês aproveitei para inserir durante a dramatização música celtas (irlandesas) para completar a homenagem ao autor e aos fãs.

Espero que gostem! E não se esqueça de deixar o seu comentário!

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Conto: Um pedido! por Múcyo Alexandre



Completara-se um mês que Victor estava indo ao dentista e desde o primeiro dia não pôde deixar de reparar na jovem secretária. Muito bonita, aparentemente simpática e educada, "a nora dos sonhos" pensou consigo mesmo!

O problema, no entanto, era que Victor considerava-se um tanto desastrado para ir falar com a moça e convidá-la para saírem juntos. A verdade era que o jovem sentia-se demasiadamente antiquado em relação a esse assunto. Há muito tempo não namorava e por isso perdera a experiência, se é que isso tivesse alguma implicância. 

Tirou os óculos de sol, entrou na recepção do consultório e lá estava ela, linda como sempre! Ambos cumprimentaram-se, mas só ficou por isso, afinal havia outras pessoas sentadas esperando a sua vez. Victor, pois, abriu o seu livro que tinha em mãos e começou a lê-lo. Por um instante parou em um parágrafo percebendo a sua falta de atenção, acabara de ler algo e não se lembrava mais o que era. Enfim levantou os olhos e brevemente, quase nada, olhou para ela.

Ao fundo do consultório ouviu uma porta sendo aberta, era a assistente de um dos dentistas, caminhou até a recepção e chamou a mulher que ali estava, esta, fez-lhe o favor de acompanhá-la.

Nesse momento estavam Victor e a moça, o rapaz, por sua vez, fechou o livro, respirou fundo, sentiu o peito aperta em meio ao forte bater do coração e antes mesmo de dizer algo ouviu:


- Sim! - disse a moça.
- Sim? O que é sim? - perguntou Victo atordoado.
- Eu disse sim, eu aceito o seu convite!

domingo, 14 de abril de 2013

Dramatização: A sombra no Sol: Em pleno voo por Eric Novello




Mais uma dramatização! "A sombra no Sol" trata-se de uma série de textos (contos) escrito pelo querido Eric Novello, carioca, de uma originalidade e senso de humor  únicos.

Para mais informações a cerca do livro ou mesmo do autor é só clicar aqui.

Bom, espero que gostem! Também deixarei o trecho que utilizei para o áudio. No mais só tenho que agradecer ao Eric. Quero agradecer também a todos que estão acompanhando esse árduo trabalho em divulgar a literatura. 

Claro que não poderia esquecer de agradecer ao pessoal do site Homos Literatus. Nas pessoas do Vilto Reis e Matheus Herédia (Matheus não errei dessa vez viu!). Ambos possuem um podcast que abordam temas relacionados a literatura; processo de escrita; ótimas entrevistas com escritores. Enfim, é um site com excelente conteúdo, aliás, conteúdo de qualidade. Mais uma vez... Fica o meu agradecimento aqui! 



Trecho do livro: Em pleno Voo.

Das grades lustradas da varanda, me atiro. Me retiro do recinto numa única tacada, numa jogada que preserve meus bons modos, impeça os gritos não gritados, sopre de volta os bem doloridos que implodem gargantas, fazem ranger os dentes, obrigam o corpo a desabar.

Tento mirar as estrelas, a ponta da antena de um edifício, mas é a imagem dele que vejo contra a escuridão, o sujeito que roubou a minha arte. Estico a mão para me segurar em transmissões via satélite, uma distração qualquer que evite a queda ou que a acelere de uma vez.

Ineficiente em meu rancor, a nada me apego. Continuo a desabar acompanhado da coleção de instantes que se projeta na parede, se enfileira quadro a quadro, me persegue quadra a quadra, até faltar o ar.

Não lembro ao certo como cheguei nessa esquina, se de corridas na escada ou de ansiedade na porta do elevador construí o meu caminho. De certeza, tenho o vento impresso em minha cara, um vento que descamou restos e levou sujeiras invisíveis, arrancou um cílio que não se sustentava mais. Quero fingir que ele é uma dessas coisas pequenas que só nos atrapalha, que posso descartá-lo com a ponta dos dedos. Quero mandar Patrícia e seu pintor para o quinto dos infernos, um quente, católico e tradicional, que derreta as plásticas de uma e chamusque os olhos do outro, me içando de seu verde de alto-mar. Mas o que quero é vago diante do que sinto, e uma dor de canelas doídas e joelhos ralados me joga na cara que nada irá mudar. A lufada forte como um soco não me quebrou os dentes nem varreu as rugas, deixou somente um aperto que me embaralha as entranhas e não se desfaz.

Experimento a ardência no nariz de quem passa muito tempo sem respirar. Sinto queimar a queda livre, o cheiro que se sente quando tudo em que se acredita se desmancha num esguicho de aguarrás. Minha sorte é que esse vento seca por dentro e por fora, inibe as lágrimas e o sentimentalismo, me devolve ao modus operandi da sobrevivência. Quando sinto a ponta da língua raspar no asfalto, sei que é hora de abrir as asas e voltar a voar. Pouso com maestria no lugar de onde nunca saí e cumprimento meu interlocutor. Meus olhos rapineiros percorrem seu corpo, decoram suas curvas, simplesmente relembram o sabor da presa.




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